quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Bissexualidade em Cena

Fui assistir: "Minha mãe é uma peça 2" e gostaria de fazer uma crítica "sexual". Antes, acho interessante dizer que é uma comédia leve, gostosa de assistir, regada a boas doses de gargalhadas. Situações corriqueiras vistas e discutidas no dia a dia doméstico são transportadas para a tela de cinema. É uma boa opção para se divertir. O filme - em resumo -, fala sobre a dificuldade de uma mãe em admitir que seus filhos mais novos, cresceram e, que eles precisam de seu próprio espaço (longe dela) para se virarem com suas próprias responsabilidades; ao mesmo tempo em que dona Hermínia vai se enxergando, não só como mãe, mas como alguém capaz de cuidar de SI mesma, e finalmente dar um novo sentido a sua vida. Tudo é tratado com bom humor e leveza. Masssss, como psicólogo, eu não posso e nem quero fechar os olhos para alguns detalhes abordados entre uma cena e outra no quesito SEXUALIDADE.
Se é verdade que a vida imita a arte, uma temática reforçou neste filme o "pré-conceito" (conceito preconcebido e desfavorável) sobre BISSEXUALIDADE.
O jargão popular de que bissexual é "gay enrustido" ou "pessoas confusas" é reproduzido entre uma cena e outra.
— Quantas vezes já ouvimos este "pre-conceito" por aí?
— Quantas guerras, internas e externas, são travadas todos os dias entre pessoas e países movidos em nome de uma SEXUALIDADE única?
— Será que a história ainda não nos mostrou o suficiente quanto aos malefícios causados por discriminação?
— Quantos se lembram do holocausto e do seu ideal de raça PURA?
Em relação a sexualidade humana, acho importante contribuir que, pelo menos em psicanálise, não existe na mente humana CLASSIFICAÇÕES SEXUAIS. Não existe siglas na psiquê humana, nem significantes que represente o sexo biológico do sujeito. Isto porque o sujeito do inconsciente não tem sexo. Mas tem sexualidade. Em outras palavras: não existe uma mente azul e outra rosa ou lilás. Assim como não existe uma mente com pênis ou com vagina e outra unissex, onde “poderíamos”, quem sabe, grosso modo, citar o ânus para ambos os sexos, por exemplo.
Não confundamos MENTE com MENTALIDADE. Segundo dicionários, mentalidade é: Estado psicológico; Capacidade ou qualidade mental; Maneira individual de pensar e de julgar.
Mas em relação a mente humana, nos diz Lacan (1985), “no psiquismo não há NADA pelo que o sujeito se pudesse situar como ser de macho ou ser de fêmea. Disso o sujeito, em seu psiquismo, só situa equivalentes — ATIVIDADE e PASSIVIDADE”.
Freud, disso já falava desde o século passado, em várias partes de suas obras. Um de seus textos mais recentes, datado depois da virada do século, nos diz: “Aquilo de que falamos na vida comum como ‘masculino’ e ‘feminino’ reduz-se, do ponto de vista da psicologia, às qualidades de ‘atividade’ e ‘passividade’ [...]. A associação regular destes ‘ativos’ e ‘passivos’ na vida mental reflete a BISSEXUALIDADE dos indivíduos, que está entre os postulados clínicos da psicanálise” (FREUD, 1913).
Embora não exista na mente humana um significante distintivo quanto ao sexo, nela, existe o desejo... e paradoxalmente, todo desejo é sexual. Mas não no sentido biológico. Mas no sentido libidinal. Pois libido é energia sexual. Energia não tem órgão sexual, assim como o desejo também não e nem precisa ter. Pois a SEXUALIDADE HUMANA não se restringe ao plano biofisiológico. Ela é mais abrangente do que se conhece, culturalmente. Sexualidade é desejo. Desejo não tem um único modo específico de obter satisfação; mesmo porque não existe um só objeto capaz de satisfazê-lo plenamente. Uma mesma pessoa pode desejar várias coisas ao mesmo tempo, vários objetos de amor, independentemente de se identificar como homem ou mulher. Ou seja, DESEJO não tem sexo, não tem cor, não tem idade, não tem textura, não tem fronteiras. Desejo não tem limites. Quem tem limite é o sujeito desejante.
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Anderson Gomes
psicólogo clínico
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Referências:
Freud, S. O interesse científico da psicanálise. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XIII, pp. 169-192). Rio de Janeiro: Imago,1913).
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Lacan, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1985.


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