terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Desejos à céu aberto

- O que seria de nossa sociedade oprimida e, ao mesmo tempo, opressora, SE, ao menos, uma vez ao ano, não pudesse extravasar suas cores, suas dores, seu riso contido, seu risco assumido; seu desejo latente?
- O que seria de nosso povo sofrido e explorado, SE, ao menos uma vez ao ano, não pudesse trazer à luz do dia suas fantasias "noturnas"?
- O que será das pessoas amargas, se não forem tratadas, se não largarem suas cargas, para, ao menos, uma vez ao ano, esquecerem suas armas sempre apontadas?
- O que será de quem já não sabe mais soltar uma altíssona gargalhada?
- O que será do riso frouxo e da alegria não calculada?
- O que será dos fiéis guardiões da folia e das palhaçadas?
- "O que será, que será?
O que não tem decência nem nunca terá
O que não tem censura nem nunca terá
O que não faz sentido" (BUARQUE, 1976).
- O que será da moral e dos bons costumes?! - exclamam os acostumados.
Diante disso, vale à pena lembrar que:
COSTUMA-SE, pelo menos uma vez ao ano, dar-se uma folga; dar-se um afago; dar-se um "à tôa"; entregar-se a SI mesmo; dar-se uma trégua e ficar numa boa à céu aberto...
Pois já temos todos os outros dias úteis do ano para ocupar-nos com todas as outras coisas certas e incertas.
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Texto: Anderson Gomes
[psicólogo clínico]

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Pessoas Mal Amadas

Ao chegar no portão de casa, gritou com o cachorro e por pouco este, não recebeu um carinhoso pontapé. Em seguida, entrou em casa depois que as portas surradas anunciaram bem forte a sua chegada. Tomou o seu banho e parecia que a água não estava do seu agrado. Trocou de roupa, após escolher entre as duas últimas camisas limpas da gaveta. Avistou as contas que tinha para pagar e as abençoou com vários palavrões jamais ouvidos na face da terra. Jantou, após abrir seus enlatados ao som de suas próprias ladainhas. Em seguida foi para o momento mais feliz das sua vida: entrar na internet com a senha "oculta" do vizinho. Postou uma foto com um sorriso legendado, e nele dizia: "Como é bom chegar em casa, depois de um dia incrível de trabalho num abrigo para idosos". Isto acontece todos os dias na vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. Seja numa grande empresa, seja num micro negócio.O relato acima é um CONTO, uma ficção que eu acabei de escrever para ilustrar como é importante saber escolher ou indicar um bom profissional para cuidar de nós mesmos ou de nossos amigos ou familiares. Pois não basta ser AMIGO para indicar alguém a cuidar de outro alguém. Nem é preciso ser seu vizinho para saber de seu comprometimento humano. Atos falam mais alto que palavras. São nas pequenas coisas que se revelam as maiores. São pequenos gestos que demonstram o amor ou o desamor pela vida. Seja ela pública ou privada.Todo ser humano têm problemas. Todos têm seu dia ruim. Mas a questão não são os problemas ou os dias ruins. Mas a MANEIRA de se lidar com eles. Ou seja, a questão é como lidamos com nossas próprias EMOÇÕES.Lembremo-nos que saúde EMOCIONAL é coisa séria e nem todos têm. Há pessoas totalmente "desequilibradas" cuidando de outras pessoas. E que tipo de CUIDADOS elas poderiam dar???É preciso mais que amizade ou simpatia para indicar os cuidados profissionais de alguém.Na internet não é diferente. Lá é a vitrine da vida íntima e pessoal de milhões de PROFISSIONAIS. E eis aí duas palavras opostas na mesma frase e que ocupam, igualmente, o mesmo metro quadrado nas redes, ditas, sociais: O ÍNTIMO e o PROFISSIONAL. Onde uma palavra acaba repercutindo na outra. Ou seja, questões pessoais repercutindo no setor de trabalho e questões profissionais repercutindo em casa, como se o ambiente familiar fosse uma válvula de escape para as tensões, sobrando, inclusive, para gato, cachorro e periquito.Chegar em casa e se sentir bem em casa OU chegar no trabalho e se sentir bem no trabalho, requer cuidados especiais. Requer cuidados EMOCIONAIS. Há quem trabalhe por obrigação e há os que trabalham com amor; independentemente da classe social e mesmo diante da crise por que passa o país. Pois o amor não conhece classe social. Mas também é importante dizer que não se deve confundir trabalhar COM amor e trabalhar POR amor. Há muitas pessoas que trabalham POR amor e que não são remuneradas. E há quem seja remunerado trabalhando COM amor ao que faz. Ser ou não ser remunerado financeiramente não torna uma pessoa mais ou menos amorosa. Nem mais ou menos amada. Talvez, para alguns, uma pessoa (bem) remunerada se torne mais intere$$ante, o que é bem diferente de ela se tornar mais amada por isso. Há coisas que o dinheiro não compra. E há outras que o dinheiro corrompe. Mas há também os que vivem e trabalham SEM amor. E a falta de amor afeta do íntimo ao profissional. E do público ao privado.Hoje, em linhas gerais, o que se pode se constatar de negligências na saúde, na política, na vida doméstica e na educação são consequências das ações de pessoas MAL AMADAS. E mal amadas desde sempre. Desde a infância. Pessoas que projetam nos outros, pública ou intimamente, seu déficit de amor ou sua dificuldade de amar. O que resulta num efeito dominó que vai desde as particularidades do seio familiar, aos setores públicos e profissionais, a que estejam envolvidas. Daí a importância aos cuidados que se deve ter com a vida emocional... o alicerce de todo ser humano. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Autor: Anderson Gomes Psicólogo Clínico

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Nudez Masculina

Nudez frontal masculina tratada demaneira muito natural, ao som de "Guerreiro Menino", numa apresentação cênica, em canal aberto (Globo). Aos poucos, o pênis, que era vistocomo "agressivo" aos olhos televisivos, passa pela"censura" em determinados horários e mostra sua "versão"natural e não ameaçadora. Ou seja, a nudez genital masculina começa a ter amesma naturalidade que a nudez genital feminina, até então explorada em váriasvertentes. Desde o início do mundo, a nudez humana foi a primeira coisa que secensurou quando foi descoberta. Segundo a versão bíblica da origem humana:quando Adão e Eva se aperceberam que estavam nus, após perder sua imortalidade,eles costuraram folhas de figueiras para cobrir seus órgãos genitais,envergonhados. Desde então, o nu do corpo humano passou a ser encaradoreligiosa e culturalmente como vergonhoso, restrito ao casamentoheteronormativo e a sua exibição pública passou a ser tratada como afronta àigreja e punida com morte. Ou seja, a nudez humana, desde os começo dos tempos,é associada à morte e sentenciada a ela - ainda em alguns países.Seja ela masculina ou feminina, anudez genital não precisa continuar sendo vista como algo sombrio e/oupecaminoso. Mas, desde muito cedo, pais e filhos podem e devem tratar sobre oassunto com NATURALIDADE ou buscar ajuda profissional (psicológica) para dar aotema o tom leve que ele pode ter. Pois muitos pais reproduzem em seus filhos aeducação repressora que receberam. Assim, não só a genitalidade pode ainda serum tabu, em nossos dias, como também a SEXUALIDADE que a contorna. O que nãosignifica que uma sexualidade reprimida não possa ser tratada em seus sintomas.Todo e qualquer ser humano pode reaprender tantas vezes quanto deseje. Todo(re)aprendizado é possível, desde que o sujeito manifeste o seu DESEJO.Sexualidade é desejo. Sexualidade pode ser vivida e sentida tanto no corpoquanto na alma (psiquê).Assim como foi demonstrado noprograma: "AMOR E SEXO". Sem alardes, sem sensacionalismo, aapresentação DESNUDOU literalmente o corpo e a alma masculina mostrando quemasculinidade é uma coisa e machismo é outra; demonstrando que: "Guerreiros são pessoas. São fortes, são frágeis. Guerreiros são meninos, No fundo do peito. Precisam de um descanso. Precisam de um remanso. Precisam de um sonhoQue os tornem refeitos"(FAGNER).
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 Autor: Anderson Gomes  

(Psicólogo clínico) 

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Saúde Emocional

Hoje, o passeio com minha cadela me fez pensar em como está o nível de vulnerabilidade emocional de muitas pessoas; especialmente idosos que, além do emocional, se encontram vulneráveis fisicamente.💔 
Tenho tido a oportunidade, ultimamente, de encontrar pessoas avançadas em idade para escutá-las. Hoje foi outro dia desses. Em meu passeio noturno, eu e minha cadela, fomos abordados por uma senhora cristã. Eu não a conhecia. Muito abalada emocionalmente, do nada, começou a desabafar. Dizia que ao passar por um bando de mal encarados, um deles a incomodou com a seguinte frase:
━ O demônio é mais rápido que Deus!
Aquela senhora se dirigiu ao autor da frase e o questionou com a Bíblia encostada no peito dele. Citou o nome de vários de espíritos imundos (segundo sua crença), e bateu com seu chinelo no chão, na frentes dos presentes, para retirar o pó de qualquer vestígio negativo que a pudesse acompanhar após sair dali. Escutei tudo atentamente. Ela chorava. Disse não saber o que fazer e se sentira atingida com as palavras daquele homem que, segundo ela, quis lhe atingir.
━ Aquela frase foi direcionada a senhora? ━ Perguntei enquanto ela se acalmava.
━ Sim, pois se atinge ao meu Deus, atinge a mim também. ━ Respondeu ela.
━ Mas será que Deus se sentiu atingido? ━ Repliquei.
Aquela senhora fez um ar de pensativa. Já não estava falando disparada ou aceleradamente, como no início do seu relato. Ela ainda disse que se expôs ao perigo ao se dirigir a desconhecidos; mesmo estando sozinha, citando ali nomes de espíritos imundos que sua crença religiosa proferia durante os cultos.
━ Então a senhora sabe que se expôs ao perigo e ainda citou a eles nomes de espíritos imundos de sua crença religiosa... ━ Enfatizei.
━ Mas na minha igreja se faz assim...
━ Mas a senhora não estava na sua igreja. NAQUELE MOMENTO a senhora estava numa rua perigosa, sozinha e em determinada hora do dia que não facilitava socorro.
Pra resumir a história, aquele encontro inesperado terminou com aquela senhora em um estado mais tranquilo e podendo ir embora aliviada. Antes, me agradeceu por ouvi-la. Dei-lhe um forte abraço e ela se foi.
Com este relato, gostaria de chamar atenção para a forma como muitas pessoas podem se sentir atingidas pela palavra do outro ━ mesmo quando não se refere a elas.
Quantas vezes ouvimos aquela famosa expressão:
━ Mexeu com fulano, mexeu comigo?Será mesmo que fulano se sentiria tão mexido quanto você? As pessoas podem ter personalidades diferentes; reações diferentes; emoções diferentes e pontos de vista diferentes uma das outras. A maneira como somos criados, educados ou conduzidos na vida pode influenciar, em muito, nas nossas perspectivas de vida; Podem influenciar, inclusive, na maneira como lidamos com as coisas: como se fosse uma questão de vida ou morte: daí a exposição a tantos perigos presenciados em nosso dia a dia.
Cuidemos de nossas emoçes...pois o coraçã não é coletivo. Cada um é responsável pela saúde emocional do próprio coraçã e pelos cuidados que se presta a ele. No mundo caótico em que estamos vivendo, acaba-se esquecendo que, por mais saudável que esteja o coraçã:
━ ele só pode bater uma batida de cada vez... e em um peito por pessoa.
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Anderson Gomes

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Bissexualidade em Cena

Fui assistir: "Minha mãe é uma peça 2" e gostaria de fazer uma crítica "sexual". Antes, acho interessante dizer que é uma comédia leve, gostosa de assistir, regada a boas doses de gargalhadas. Situações corriqueiras vistas e discutidas no dia a dia doméstico são transportadas para a tela de cinema. É uma boa opção para se divertir. O filme - em resumo -, fala sobre a dificuldade de uma mãe em admitir que seus filhos mais novos, cresceram e, que eles precisam de seu próprio espaço (longe dela) para se virarem com suas próprias responsabilidades; ao mesmo tempo em que dona Hermínia vai se enxergando, não só como mãe, mas como alguém capaz de cuidar de SI mesma, e finalmente dar um novo sentido a sua vida. Tudo é tratado com bom humor e leveza. Masssss, como psicólogo, eu não posso e nem quero fechar os olhos para alguns detalhes abordados entre uma cena e outra no quesito SEXUALIDADE.
Se é verdade que a vida imita a arte, uma temática reforçou neste filme o "pré-conceito" (conceito preconcebido e desfavorável) sobre BISSEXUALIDADE.
O jargão popular de que bissexual é "gay enrustido" ou "pessoas confusas" é reproduzido entre uma cena e outra.
— Quantas vezes já ouvimos este "pre-conceito" por aí?
— Quantas guerras, internas e externas, são travadas todos os dias entre pessoas e países movidos em nome de uma SEXUALIDADE única?
— Será que a história ainda não nos mostrou o suficiente quanto aos malefícios causados por discriminação?
— Quantos se lembram do holocausto e do seu ideal de raça PURA?
Em relação a sexualidade humana, acho importante contribuir que, pelo menos em psicanálise, não existe na mente humana CLASSIFICAÇÕES SEXUAIS. Não existe siglas na psiquê humana, nem significantes que represente o sexo biológico do sujeito. Isto porque o sujeito do inconsciente não tem sexo. Mas tem sexualidade. Em outras palavras: não existe uma mente azul e outra rosa ou lilás. Assim como não existe uma mente com pênis ou com vagina e outra unissex, onde “poderíamos”, quem sabe, grosso modo, citar o ânus para ambos os sexos, por exemplo.
Não confundamos MENTE com MENTALIDADE. Segundo dicionários, mentalidade é: Estado psicológico; Capacidade ou qualidade mental; Maneira individual de pensar e de julgar.
Mas em relação a mente humana, nos diz Lacan (1985), “no psiquismo não há NADA pelo que o sujeito se pudesse situar como ser de macho ou ser de fêmea. Disso o sujeito, em seu psiquismo, só situa equivalentes — ATIVIDADE e PASSIVIDADE”.
Freud, disso já falava desde o século passado, em várias partes de suas obras. Um de seus textos mais recentes, datado depois da virada do século, nos diz: “Aquilo de que falamos na vida comum como ‘masculino’ e ‘feminino’ reduz-se, do ponto de vista da psicologia, às qualidades de ‘atividade’ e ‘passividade’ [...]. A associação regular destes ‘ativos’ e ‘passivos’ na vida mental reflete a BISSEXUALIDADE dos indivíduos, que está entre os postulados clínicos da psicanálise” (FREUD, 1913).
Embora não exista na mente humana um significante distintivo quanto ao sexo, nela, existe o desejo... e paradoxalmente, todo desejo é sexual. Mas não no sentido biológico. Mas no sentido libidinal. Pois libido é energia sexual. Energia não tem órgão sexual, assim como o desejo também não e nem precisa ter. Pois a SEXUALIDADE HUMANA não se restringe ao plano biofisiológico. Ela é mais abrangente do que se conhece, culturalmente. Sexualidade é desejo. Desejo não tem um único modo específico de obter satisfação; mesmo porque não existe um só objeto capaz de satisfazê-lo plenamente. Uma mesma pessoa pode desejar várias coisas ao mesmo tempo, vários objetos de amor, independentemente de se identificar como homem ou mulher. Ou seja, DESEJO não tem sexo, não tem cor, não tem idade, não tem textura, não tem fronteiras. Desejo não tem limites. Quem tem limite é o sujeito desejante.
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Anderson Gomes
psicólogo clínico
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Referências:
Freud, S. O interesse científico da psicanálise. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. XIII, pp. 169-192). Rio de Janeiro: Imago,1913).
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Lacan, J. O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1985.