domingo, 10 de junho de 2012

Um assunto PARTICULAR

De onde viemos? e para onde vamos?

Desde que o mundo é mundo, estas duas perguntas vem se tornando o FOCO da busca de sentido da existência humana.
Ter um livro de respostas, ajudaria?
ajudaria em quê?

Ter alguém que, nos telejornais, nos diga se vai chover ou fazer sol ―é imprescindível para muita gente.
Ter uma revista ou um site de horóscopo que nos diga como será o dia de amanhã ―é igualmente importante para milhões de pessoas.

Como nós viveríamos se soubéssemos o dia da nossa morte?
Como viveríamos estando em contagem regressiva?
Que sentimentos  acompanharia a todos nós?

Se você, caro leitor,  reler o texto do primeiro até o presente parágrafo, perceberá que ele foi todo escrito no plural, e de maneira generalizada, e, no contexto coletivo. Releia-o por favor, antes de entrarmos no próximo ponto.

No princípio era o verbo... (Joao: 1:1)
As palavras são feitas justamente para distinguir as coisas, já dizia Lacan (1985). A palavra distinguir, perde-se em meio a tanta igualdade de gênero. Ninguém mais trata as crianças como crianças; nem ao idoso como ser vivo; o negro como humano; o gay como cidadão; as mulheres como sexo oposto ao homem; os deficientes físicos como parte integrante da sociedade, assim como os gordos e obesos. Talvez porque essas classes, muitas vezes, já  não se distinguam mais enquanto seres distintos, que são.
Nesse raciocínio, cabe recorrer ao dicionário, para enfatisar o sentido dado ao termo:

distinguir:
  • 1. Não confundir.
  • 2. Estabelecer ou conhecer a diferença que há entre pessoas ou coisas.
  • 3. Ver claramente (ainda que de longe), avistar.
  • 4. Perceber, ouvir.
  • 5. Notar.
  • 6. Marcar, assinalar.
  • 7. Discriminar.
  • 8. Caracterizar.
  • 9. Fazer distinção (de pessoas).
  • 10. Tornar-se distinto. = ASSINALAR-SE  (PRIBERAN, 2010)
  • O que seríamos se pudéssemos ter todas as respostas?
  • O que seríamos se pudéssemos ter tudo que quiséssemos?
  • O que seríamos se pudéssemos SABER do dia de amanhã? Seríamos humanos?

Esta é a grande questão... saber o que somos parece simples, mas esta aparente simplicidade tem levado a muitos civilizados a um comportamento animalesco ou quase vegetal.
Na lei da selva: sobrevive o mais forte.
E na lei cívil?...é diferente?
Estamos, como humanos, dando um outro significado ao HUMANO.
O ser humano nasce, cresce, reproduz e morre... e tudo aquilo que deveria distingui-los dos outros seres ―perde-se em meio a sua própria pluralidade.
  • As várias tendências da moda;
  • as muitas necessidades  físicas;
  • os inúmeros objetivos da vida;
  • os indescritíveis sentimentos manifestos, os muitos outros latentes e,
  • os diversos tipos de comportamentos humanos ―confundem  o ser humano  que ao longo de sua própria existência, desespera-se por NÃO SABER o que fazer.
E eis o que nos marca como humanos: o não-saber... a falta... o desejo.

"O desejo é sempre enigmático e por isso mesmo ele apela ao SABER, constituindo assim o sujeito articulado a um desejo de SABER" (QUINET,1951)

É o não saber que nos motiva ao SABER...saber este que não sabe o que quer saber. Sabe-se porém, que este enígma vem sendo simplificado na padronização de condutas. Condutas estas nada sábias, insanas e impensadas.
Foi o que levou mulheres às fogueiras numa época em que a morte parecia ser a única sentença por desvios de conduta à moral cristã.
Foi o que inspirou Hitler a desenhar uma nação de um só pensamento, de uma só cor e de uma só voz: a sua voz!
É o que tem levado milhares de pessoas, em pleno século 21, a serem vítimas de todo o tipo de bullying por não se adequarem à fita métrica do peso, altura, forma, cor e sexualidade imposta.

Por traz de toda essa ditadura da beleza  existe o DESEJO, o desejo de ser... mascarado pelo desejo de TER.
"Quem TEM conhecimento É o cara!"... em outras palavras, quem tem conhecimento tem tudo. Tem?
Felizes eram os índios, antes da invasão do homem branco...Que em sua sapiência dizimou milhares de aldeias em nome da sua ganância de TER o do outro pra si.... para si ―animal irracional.
A ganância de TER sempre mais,e mais, TEM tem levado ao homem civilizado a um comportamento animal. Se o animal mata para sobreviver conforme seu instinto, o homem mata por prazer conforme o seu "saber".
Torno a dizer: na lei da selva sobrevive o mais forte...E na lei cívil?...é diferente?
Estamos, como humanos, dando um outro significado ao HUMANO.

Degladiando-se entre a fé e a ciência (criacionismo ou evolucionismo?) o homem não sabe de onde veio  nem para onde vai...mal sabe como está. Os que poucos têm consciencia de suas ações buscam psicoterapia ou análise para o seu ser... para o seu não-saber... para o seu desejo... para a sua falta.
 Mas os que vegetam entre os vegetais -->> têm reforçado conceitos e preconceitos fossilizados... como é igualmente jurássico os valores expedidos mundialmente em torno do comportamento humano.

Nesse raciocínio comportamental, os mais renomados "formadores de opiniões" em seus programas de entrevistas, tem pesquisado nas falas  de seus convidados o:
  • como proceder, 
  • como agir, 
  • como pensar  e 
  • ver a vida. Como SE o olhar do outro pudesse ser o seu também. E nessa ilusão (ilusão de ótica) muitos caminham cegos pelo caminho alheio embusca do próprio caminho.

Pensando nisso, me lembrei que certa vez, na entrega do trofél "Globo de Qualidade" (MELHORES DO ANO), o apresentador Faustão perguntou, ao brindar Glória Pires por seu desempenho em sua última novela:
 "Qual o segredo de saber a administrar a vida pessoal e profissional?".

Eu, Anderson, gostei muito da resposta que Glória Pires deu ao apresentador. Entre outras  coisas que ela falou, destaco o seguinte trecho:
"A gente não SABE como faz...a gente vai buscando. No meu caso eu fui buscando uma forma de poder ter a minha vida; poder viver normalmente, ter minhas PARTICULARIDADES [...] Antes de ser atriz eu sou um ser humano. Eu tenho a minha vida, meus filhos, meu marido... OS DESEJOS comuns, os medos comuns a todo ser humano... então NÃO SEI como fazer"... (GLÓRIA PIRES)

Diante da sábia resposta da atriz, Faustão (que não tem papo à altura) só soube dizer: "é verdade". rsrs... e ele ia dizer mais o quê? rsrs
Para quem quiser conferir na íntegra a esta entrevista de premiação, deixo aí o vídeo. Quem quiser se ater somente nas falas citadas: veja onde vídeo marca  1 minuto e 5 segundos. Quem não quiser ficar escutando até o fim as baboseiras do apresentador basta apenas assistir ao vídeo do minuto anterior até 2 minutos e 30 segundos.
Observei, neste evento, que a mesma pergunta foi dirigida aos outros ganhadores do trofél, em suas respectivas categorias. Depois procurem, se desejarem, os outros vídeos da premiação na internet... perceberão que a mesma pergunta é dirigida a todos os outros entrevistados da noite. Também a tenho constatado nos demais programas de entrevistas e noticiários que assisto sempre que se faz presente um artista de minha predileção. Ou seja, o mesmo tipo de pergunta generalista vem à tona: Qual o segredo do seu profissionalismo?
Qual o segredo disso?
Qual o segredo daquilo?
Como se houvesse O SEGREDO...
  • A RECEITA
  • A FÓRMULA
  • O CHÁ
  • A ERVA
Embusca do caminho das pedras, muitos vem focando apenas em um único caminho... daí tantas guerras, brigas e discussões intermináveis em torno de pontos aparentemente universais... É o ser humano impondo aquilo que ele considera como absolutamente certo e  "ÚNICO" sobre o outro:
  • O ÚNICO CAMINHO
  • A ÚNICA  RELIGIÃO
  • A ÚNICA  SEXUALIDADE
  • A ÚNICA RAÇA (pura)
Tudo aquilo que diferir do "ÚNICO" pode vir a ser alvo de chacota, zombaria e/ou bulliyng. Em tempos medievais, a guilhotina, a masmorra, a fogueira ―seria o destino certo. Mas em tempos pós-modernos como os nossos: as diferenças "vai na porrada mesmo".
ÀS diferenças, resta o resto da indiferença.
Mas MAIS do que a INdiferença alheia ―é você (meu caro leitor )ser indiferente a SI mesmo...
MAIOR que o peso das cobranças alheias ―são as tuas cobranças pessoais...
PIOR que o descaso dos outros ―É o descaso que você venha a fazer com suas PARTICULARIDADES, com suas nuances e principalmente com os seus sentimentos.
Cuide-se!

"O que nos caracteriza como cada um, é ser o que os outros não são" (LACAN, 2003)

REFERÊNCIAS:
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LACAN, J.(1955/56) O seminário , livro 3. As psicoses. Rio de Janeiro: Zahar, 1985
LACAN, J. (1961/62) O seminário, livro 9. A Identificação. Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife, 2003.
QUINET, A. A descoberta do Inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000

"distinguir", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2010, http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx?pal=distinguir [consultado em 10-06-2012].