domingo, 17 de junho de 2012

―Seu cachorro!


Tema de hoje:
Relacionamentos
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           Assistindo o programa "Saia Justa" do canal GNT, me inspirei para escrever algo sobre relacionamentos nesta postagem. Numa conversa informal, clima que ambienta o programa, uma das convidadas ali presente,  comentou um email que uma telespectadora enviou ao programa trazendo o seguinte assunto:
        Ela e seu marido adotaram um cachorro para alegrar a casa, uma vez que não queriam filhos no momento. O cachorro era muito amado, mas  com o passar do tempo, o mesmo passou a ser incômodo para seu marido, que segundo esta espectadora, "estava quase surtando em ter que limpar o xixi e o cocô" do animal; animal este que não era tratado como tal. Então, levantou-se uma DÚVIDA em seu íntimo : se o esposo seria um bom pai, quando ambos tivessem um filho. Afinal "com que paciência ele trocaria as fraudas?"...Gerou-se uma grande polêmica rsrs A entrevistadora Mônica Waldvogel deu seu ponto de vista sobre a questão: Ela também tivera um cachorro, e embora gostasse muito dele, nunca esqueceu que ele era apenas um cachorro.

        Aqui estamos para falar sobre isto  como um dos temas propostos na enquete ao lado. Aliás, antes de prosseguirmos, gostaria de solicitar ao caro leitor, que dê uma paradinha na leitura para  votar em um dos temas, caso ainda não tenha colaborado com a enquete de sugestões.

        Sendo o ser humano um ser marcado pela linguagem, ele pode  não só reproduzir essa linguagem, mas criá-la, dando outros significados e conotações a algo já existente, e pré-estabelecido, por exemplo. Isto, por si só, já nos difere dos animais. Animais não cria, apenas reproduz. E quando cria um ninho, um novo buraco, um esconderijo, está apenas reproduzindo a sua programação biológica e  instintual. O ser humano, por mais que seja um ser biológico ― é também um ser "bio-lógico". Embora sua lógica esteja sempre em falta. Falta esta que aponta para o vazio, o furo, a lacuna que os animais não sentem e não buscam preencher, por mais que passem a vida cavando  e escavando seus buracos. Enquanto os buracos desses animais sejam externos, buscando instintitvamente proteção e abrigo; o buraco do Homem são os seus vazios, e, portanto ―internos.
Tudo que nós seres falantes viemos a produzir, aponta-se para buracos, por mais que tentemos tampá-los ou tamponá-los.
          Falar com um animal como se fosse gente, implica em algumas considerações. É antes de tudo uma escolha.  Sendo uma escolha, logo, há significado. É só porguntar ao dono de um animal os por quês deste modo de interação com animal através da fala que ele saberá responder. O mesmo não acontece com o animal. Ele não sabe dizer  por quê  late, e não mia ou rosna. Ou mais que isso: não sabe dar significados ao seu latidos. Ou seja, não sabe significar. Dando duas opções de comida para uma pessoa, ela se põe na dúvida de qual comer, mesmo que no final das contas coma as duas porções na tentativa de saciar, não a sua fome, mas a sua dúvida ―sua lacuna humana.  Já o animal não pensa, e portanto, não duvida, logo, come duas ou mais porções sem questionar sabores, aromas ou quantidades.

[obs: Me refiro nesta passagem aos cachorros  mais comuns, e não aqueles "luxentos" acostumados a ração ou filé mignon. Mesmo estes cachorrinhos de "madame" se passarem uma semana perdidos na rua, comerão de tudo para sobreviver, de acordo com seus instintos. O mesmo acontece com os chamados "vira-latas". Cachorros como esses, podem adiquirir um paladar tão  refinados quanto os de raça, desde que  sejam dadas  condições necessárias para um paladar  mais apurado.] 
          Ao animal, opta-se comunicar, através da fala, da voz e suas interjeições. Mas optar-se por comunicar, deste modo, não quer dizer que se faça comunicar.
Eu me faço me comunicar com você leitor, através destes escritos... o que não dá garantia de me fazer entender... Mas eu sei que o mau entendido faz parte daquilo que é humano.
           Há uma DÚVIDA no primeiro parágrafo deste texto, no contexto da espectadora que não sabe se seu esposo será bom pai, quando ambos tiverem um filho. Cabe aqui alguns questionamentos:
  • Ser dono e ser pai tem os mesmos significados para você?
  • Ser dono de um animal e ser pai de uma criança traz as mesmas implicações?
Poderíamos a partir dai, pender para as relevâncias paternas numa relação familiar. Mas não é o foco deste texto que visa relacionamentos, embora ainda não tenhamos tocado no ponto chave da questão ainda.

        Qual a intenção quando se busca adotar um animal, NO LUGAR de ter uma criança, seja lá por adoção ou por vias reprodutivas?
  • Que lugar é este ―o da criança?
  • Que lugar é este ―o do animal?
  • Ambos estão no mesmo lugar?
         Em muitos casos "SIM"... criança e animal estão no mesmo lugar, especialmente num mundo onde crianças vivem como bicho. Mas, mesmo neste lugar  "animal", a criança, como ser humano que é ―sabe responder ao seu meio habitat de acordo com os estímulos que a cercam. Ou seja, a criança, por mais que seja tratada como animal, é marcada pelo resto de sua vida com as palavras [significantes] que são descarregadas nela. E mesmo que viva alienada ao significante do O'utro, esta "criança-bicho", tende a ver o mundo pela ótica alheia. Ou seja, a ótica dos outros. Cresce-se assim, uma criança que não sabe onde é o seu LUGAR  no mundo. Uma criança que mais tarde será um adulto perdido... perdido entre tantos significantes. Perdido especialmente nos significantes das propagandas comerciais. Ou seja, naquilo que o comércio propaga.
"...os significantes são realmente encarnados, materializados, são palavras que passeiam e é como tais que elas desempenham sua função de acolchetamento" (LACAN, 1985)
Não nos aprofundaremos no ponto comercial mencionado, porque não é o foco desta postagem. Caberia ainda neste texto falar sobre a criança psicótica, mas isso desviaria um pouco do tema, pois o mesmo se desdobra  sobre SIGNIFICANTES e SIGNIFICADOS. Mesmo que eu pudesse falar um pouco mais  que:
―Para criança psicótica faltou o significante  do Pai.
Mas... voltemos para os significantes destas linhas.
          Atualmente, está se  dando aos objetos [objeto -no sentido mais amplo da palavra] novos significados na tentativa de preencher os VAZIOS da alma... tentativas frustradas que logo desaguam em qualquer relacionamento: pessoal ou conjugal.
          No e-mail enviado aquele programa, não se fala de quem FOI a iniciativa de adotar um animal de estimação. Mas se fala em "alegrar o ambiente". Se fala em adotar um cachorro no lugar de uma criança. E por quê?
Poderíamos pensar que:
  • Será que dá menos trabalho?
  • Será que foi pelo fato de o animal não saber significar? (Embora tivesse ali um significado embutido no LUGAR ocupado por ele)
      As respostas poderiam e podem ser várias... não cabe aqui encerrá-las ou dar um sentido para a demanda de uma espectadora que talvez nunca venhamos a conhecer ou ouvir a sua fala pessoalmente. Há muitos psicanalistas, ou psicólogos que fazem suas interpretações selvagens. Mas como eu trabalho com psicanálise lacaniana, os significados estarão sempre abertos a novos significados [dados pelo sujeito da fala]. No máximo poderemos levantar uma hipótese apenas para nos fazer refletir.
"É o significante que domina a coisa, pois no tocante as significações, elas mudam completamente" (LACAN, 1985)
       O drama do casal em questão, TALVEZ, se dê pelo fato de que ambos tenham significados diferentes quanto ao LUGAR da criança, e quanto ao LUGAR do animal. Significados esses que não só diferem no sentido, mas também no tratamento dado ou destinado para cada respectivo objeto. 
[obs: Importante lembrar para o leigo nas áreas científicas que a palavra OBJETO empregada aqui, tem um sentido mais amplo].
Por haver nitidamente essas diferenças, não pode-se julgar com base nisso, se aquele marido  será ou não um bom pai. Ou seja, o que o fará bom ou um péssimo pai terá mais haver com outras características intrínsecas à sua pessoa, que com o LUGAR que ele reserva a futura criança. Em outra palavras,  o LUGAR que  ele, como futuro pai preserva para seu filho, não é o mesmo LUGAR dado  àquele animal por sua dona... ou seria "mãe"???
          Saber qual LUGAR ocupamos na vida, e na vida do O'utro, vem ser sumamente importante para não afogá-lo com nossos próprios significantes ou absorve-lo em nossos próprios significados.
          Nesse sentido, muitos relacionamentos caem em ruínas [in]significantes, porque o casal, muitas vezes, mal sabe o que é SEU e o que é do OUTRO. Submersos em SI MESMOS, chegam a apelar  para um outro mais alienado que eles mesmos, nesse caso: um cachorro.
         Talvez, O LUGAR estivesse desde sempre VAZIO...
Talvez nunca estivesse ocupado. O e-mail daquela espectadora também não informa de quem partiu a decisão de não ter filhos. Decisão esta que deu origem a outra: a de adotar um cachorro. Mas a decisão de não ter filhos, não impediu de A-PARECER o lugar... o Lugar disponível para ser ocupado... ou para permanecer vazio... a agonizar  por quem venha  alegrar a casa...ou a ALMA... (eu diria)... na tentativa de preencher seus "buracos".