terça-feira, 19 de setembro de 2017

Cura gay?

RETROCESSO: Acabou de sair uma decisão da Justiça do distrito federal que autoriza psicólogos a tratarem a HOMOSSEXUALIDADE  como (se fosse) doença. Sabe-se que, há muito tempo,  o Conselho Federal de Psicologia (CFP) tem lutado contra esse retrocesso jurídico que remonta o período medieval. Período esse em que a sexualidade humana servia apenas para fins reprodutivos. Qualquer comportamento sexual que se desviasse do padrão, era visto como ameaça à moral  e os bons costumes. Será que estamos tão longe da  a idade média? Sabe-se que, INFELIZMENTE, há psicólogos que tentam, AINDA, a todo custo, associar CIÊNCIA à religião... Não bastando  a associação entre religião e  POLITICA desde à época em que a Igreja e o Estado eram um só. Na correnteza soturna em que estamos caminhando atualmente, nunca é demais lembrar dos dias vividos no século XV. Não existia lá naquela época a palavra "SEXUALIDADE". Existia apenas a palavra "SEXO", visando apenas a procriação e perpetuação da espécie humana.  Mas qualquer prática sexual que não fosse entre homem e mulher era remetido à CULPA ou associado a palavra: PECADO. Em último caso,  o "pecador" homossexual que não se arrependesse ou não deixasse  a sua prática sexual com homens, era sentenciado à fogueira, quando não à guilhotina. E quem decidia sobre a vida e a morte do condenado?  A "Santa Inquisição". "Em sua aliança com o poder monárquico, a Igreja ajudou a REPRIMIR os costumes, utilizando a chamada Santa Inquisição. [...] o sexo também era violentamente reprimido. Não sem resistência" (LINS, 2005).
Em pleno século XXI,  essas constantes associações  politico-religiosa,  visam através de alguns psicólogos cristãos, com o apoio da sua bancada evangélica, a  possibilidade jurídica da, então chamada, "cura gay". Digo "possibilidade jurídica" porque fora dos dispositivos jurídicos não há possibilidade de cura para o que não é doença. Não há cura para o desejo humano. Só humanos desejam. Animais têm instinto. Só animais são adestrados.  
Falar sobre "cura gay" é falar como se  a homossexualidade tivesse a ver com a educação ou com a má educação recebida; ou até mesmo com o (mal) comportamento aprendido. Como se a homossexualidade fosse, portanto, passível de conversão ou reversão SEXUAL. Nesse sentido, o termo "SEXUAL" empregado por esses "curadores"  se limita ao palpável, ao que pode ser aprendido,  condicionado ou educado. Muitos ditos profissionais da psique humana, chegam, inclusive, a citar a expressão: "Comportamento sexual" quando se referem a homossexualidade. Outros se referem a ela como apenas atração ou "desvio" sexual. Porém, convém informar que, pelo menos em psicanálise,  o conceito de homossexualidade​ NUNCA FOI comportamental. E dentro da  PSICOLOGIA, ciência do comportamento humano: NUNCA houve um consenso sobre a origem da homossexualidade entre seus mais variados teóricos e abordagens. Ainda vale à pena ressaltar que, HOMOSSEXUALIDADE, está muito mais além do que se entende como atração sexual. E não existe apenas uma maneira de vivenciar a homossexualidade, pois não existe "a" homossexualidade. Mas existem as homossexualidade'S (no plural).
Mas ao nos referirmos às homossexualidade'S, mesmo que no  singular, convém sempre enfatizar que HOMOSSEXUALIDADE é DESEJO​ e também sentimento.... E não se educa o DESEJO. Ou se satisfaz o desejo ou não o satisfaz. E não satisfazer o desejo está mais para REPRESSÃO da libido ou REPRESSÃO sexual. REPRESSÃO é qualquer outra coisa, menos "cura". E  Por que? Simplesmente porque desejo NÃO se cura.
Em pleno mês de setembro, onde campanhas visam a conscientização da população à prevenção do SUICÍDIO, nada mais oportuno que lembrar também que REPRESSÃO também pode levar ao suicídio.
- Quantos homossexuais se matam todos os dias por não se aceitarem como são?
- Quantos homossexuais masculinos e femininos não recebem apoio da família e tiram a própria vida?
- Quantos homossexuais são vítimas de outros homossexuais enrustidos? Ou seja, quantos homossexuais  são vítimas de HOMOFOBIA?
A quem essa decisão da justiça irá beneficiar?  A moral e os bons costumes? Quais bons costumes?
- Será que realmente é de COSTUME que estamos falando? Não confundamos  COSTUME  com DESEJO.
COSTUME: é comportamento humano. É palpável. COSTUME pode ser aprendido, adequado,  moldado e mudado.
Mas o DESEJO não é palpável. DESEJO não é aprendido. DESEJO se sente ou NÃO se sente. Pode-se fingir um comportamento, até mesmo por CONVENÇÕES ou cobranças sociais. Mas não se pode fingir ou enganar o desejo. Ou seja, DESEJO NÃO É COMPORTAMENTO.
"O DESEJO no inconsciente é  indestrutível" (JACQUES LACAN,1995).
Diante disso, URGE, mais do que nunca, a NECESSIDADE de se inserir na grade curricular dos cursos de PSICOLOGIA uma disciplina que aborde a sexualidade humana em sua SUBJETIVIDADE.
Inserir  nas escolas e universidades de diversos cursos uma disciplina sobre SEXUALIDADE HUMANA, poderia diminuir a formação de profissionais IGNORANTES (sem conhecimento),  pelo menos no que concerne a distinção entre SEXO (biológico); e SEXUALIDADE (subjetividade). Conhecimentos básicos que não fariam mal a nenhum cidadão ou profissional, independentemente da  crença religiosa que possam ter.
Diante do retrocesso decidido hoje pela justiça do distrito federal, embora o CFP ainda vá recorrer até às últimas instâncias,  nunca será demais informar, sempre que tenhamos oportunidade, que sexo genital é biológico e diz respeito, entre outras coisas, a reprodução humana. Mas SEXUALIDADE está para além do puramente orgânico. Sexualidade TRANSCENDE ao sexo em sua biofisiologia. Sexualidade é DESEJO e diz respeito a SINGULARIDADE do sujeito.
SEXUALIDADE É VIDA!
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Anderson Gomes
(Psicólogo de orientação lacaniana)